Fiquei surpreso ao descobrir que a marca dos pneus que instalei no meu carro tem má reputação no site Reclame Aqui. Antes de comprá-los pesquisei pouco, somente o necessário para saber se o modelo em questão era esportivo ou confortável. Confiei na marca inglesa — que hoje pertence a um grupo japonês — e até o momento não me arrependi. Mas nem sempre a sorte está do nosso lado.
Ter em mãos um produto problemático causa um misto de decepção com revolta, principalmente quando optamos por pagar mais caro para ter [sensação de] mais robustez e tranquilidade. Quando é financeiramente possível todo mundo faz um esforço extra para ter o melhor, seja no notebook Dell em vez de Acer, seja no smartphone Apple em vez de Samsung. O sucesso da Toyota, por exemplo, está parcialmente alicerçado nesse comportamento do consumidor querer o mais robusto, mesmo que isso implique em pagar mais.
Boa reputação dá lucro
Como se vê, o objetivo de qualquer empresa que deseja permanecer lucrativa deve ser criar uma boa reputação. A boa reputação dá lucro, sem ela a Toyota jamais conseguiria vender um Corolla mais caro e menos equipado que um Citroën equivalente — sem contar os descontos que a rede francesa dá.
Essa ligação entre reputação (imagem da marca) e lucro é muito bem usada pelas empresas. O iPhone X da Apple tem como concorrente mais próximo o Galaxy S8 da Samsung, que custa quase a metade. A Ferrari chega ao cúmulo de poder escolher seus clientes (só foram dignos de comprar o modelo LaFerrari quem já era dono de determinados modelos da empresa italiana).
Mas não se constrói uma reputação da noite para o dia e pagando bons escritórios de marketing. No caso da Toyota, os japoneses alicerçaram seu crescimento na fabricação de carros resistentes, que apresentam poucos problemas. O Apple é simplesmente o que há de mais caro e avançado em smartphone, então involuntariamente está associado a celebridades e pessoas de sucesso. A Ferrari simplesmente construiu carros campões ao longo de seis décadas.
Aprender e fidelizar
Como bem disse Bill Gates, os clientes insatisfeitos devem ser a maior fonte de aprendizado de qualquer empresa. Todo feedback é positivo, independente se elogio ou crítica. Aliás, para empresários de visão os problemas representam uma fonte fidedigna de informações sobre as necessidades e expectativas de seus clientes.
Esse assunto surgiu em razão dos casos de vazamento de óleo apresentado pelo novo motor 1.6 SCe da Renault. Donos de Sandero, Logan, Duster, Oroch e Captur tem ouvido de algumas concessionárias que o 0,3 litro de lubrificante consumido a cada mil quilômetros é absolutamente normal, característica do motor. A questão é que o mesmo motor produzido pela Nissan parece não ter essa “característica”.
Desculpas absurdas como essa só evidenciam a falta de compromisso com o consumidor, que graças à internet tem oportunidade de sozinho abalar justamente o maior diferencial das empresas, a reputação. Lembro bem da compra do meu primeiro notebook, em 2010. Depois de muito pesquisar preços, comprei no site da loja Ricardo Eletro um da marca MSI e modelo CR400. O notebook nunca chegou e após esperar pacientemente por quase cinco meses decidi expor o caso no Twitter: poucos dias depois o dinheiro estava em minha conta.
Clientes que têm seus casos resolvidos prontamente são mais propícios a tornarem-se fiéis e embaixadores da marca. Mantendo o assunto em lojas virtuais, por muito tempo recomendei compras no Mercado Livre por conta do sistema de pagamento conjugado ao de intermediação de conflitos: se o comprador comprovar insatisfação o vendedor não recebe o dinheiro, simples assim. Lá, reputação de vendedor é tão importante que consta na mesma tela de compra dos produtos.
O inteligente aprende errando e o sábio aprende com os erros dos outros, dizem por aí. Parecendo desconhecer o ditado, a Renault trocou o mal afamado câmbio AL4 do Sandero por um… automatizado, o tipo de câmbio mais mau reputado que há. A empresa francesa tinha em mãos o CVT da Jatco (Nissan) e até o instalou em Duster e Captur com o mesmo 1.6 SCe, mas achou que seria mais barato colocar um manual automatizado. Donos de Sandero Easy’R e Logan Easy’R tem mais um motivo para perder o sono além do 1.6 SCe…
Cuide dos críticos, os outros cuidam por si
Poucas pessoas se dão ao trabalho de procurar um site qualquer e recomendar o produto que comprou e gostou; não há incentivo para isso. Quem está em apuros, contudo, sente-se lesado e impelido a divulgar sua insatisfação para o maior número de pessoas, talvez na tentativa de impedir que a empresa faça novos negócios e “engane outras pessoas”. Esse ímpeto é a força que mantém as páginas de reclamação, sendo o site mencionado no primeiro parágrafo uma referência quando o assunto é divulgar negociação frustrada.
Em um mundo com consumidores cada vez mais informados e conectados, as empresas precisam estar atentas ao seu comportamento diante dos problemas, que sempre vão aparecer independente da exigência do padrão de qualidade — o fator humano é preponderante em toda a cadeia. Com tantas empresas talentosas e produtos semelhantes, o diferencial está justamente na resolução dos problemas, são exatamente eles que irão construir uma boa reputação.
Longe da guerra de preços
Em 2015 a Yamaha oferecia a Crypton 115 K por R$ 4.880, enquanto a Honda tinha a Pop 100 por R$ 4.480. Além de mais potente e cômoda, a Crypton era mais bonita, confortável e robusta — era afinal um produto maduro, conhecido pelo mercado e com as vantagens inerentes a isso. No entanto, a Yamaha produziu 9.713 unidades da Crypton naquele que seria seu último ano, todas vendidas por R$ 5.205 em média, enquanto a Honda fez 63.336 unidades de sua Pop 100 e as vendeu por R$ 5.252, em média.
A comparação é válida por ser entre dois produtos de mesmo propósito feitos pelas maiores referências do setor — não é entre Honda e Shineray. Como se vê, o próprio consumidor decidiu escolher o produto inferior e ainda quis pagar mais por ele, mesmo tendo à disposição outro comprovadamente melhor e mais barato. É óbvio que o produto da Yamaha era melhor que o da Honda nos critérios mais importantes, mas o que jogou contra a Yamaha foi sua fama de manutenção mais cara (mito) e de fechar concessionárias (verdade), deixando seus clientes desassistidos.
No mercado o comprador (consumidor) é juiz, promotor e carrasco de forma absoluta. Suas escolhas impactam diretamente na oferta e nos preços dos produtos, e foi por causa de uma delas que a Crypton deixou de ser produzida e cedeu ainda mais espaço para a Pop, que de acordo os números era o que os motociclistas novatos realmente queriam. Gozando de excelente reputação, a Honda conseguiu ampliar sua nada modesta margem de lucro e aniquilar a concorrente.
Fica a lição para a Renault e todas as empresas: resolver problemas com tempestividade e entusiasmo evitar gastos com processos judiciais, reduz o risco de imagem e melhora consideravelmente a reputação da marca. Este último benefício facilita o convencimento de novos clientes e tira a empresa da guerra de preços, o proporciona desejável aumento dos lucros.
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